sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O dia em que meu pai ficou doente

1.
Eu me lembro quando meu pai, um motorista sem posição política definida, pegou as primeiras notas de real em sua mão. Depois de alguns anos de socos e pontapés no estômago, aquelas poucas notas significam uma certa esperança, algum sentimento novo de que as coisas talvez melhorassem.

2.
Quando meu pai ficou doente, eu tentei fazer do assunto algo próxima a uma rotina doméstica qualquer. Era uma tentativa de fingir que nada tava acontecendo e que tudo continuava na mesma. A cada exame, complicações de saúde e salas de espera de hospitais as coisas foram ficando mais difíceis. Meu pai já não era aquele homem forte e seguro da minha infância. Agora ele era apenas um homem enfraquecido, vulnerável ao choro e a uma doença que insistia em tirar seu melhor. Meu pai passou a enfrentar a vida com um sorriso forçado mas com a mesma coragem daquela onça da primeira nota que ele me mostrou em 1993 e que insistia em dizer que iria devorar todo o seu salário. Durante esse tempo ele deixou de ser apenas o meu pai. Oscilava entre o filho resmungão, o amigo que eu nunca tive e o melhor contador de histórias absurdas. Talvez venha daí as melhores memórias que eu tenho do meu pai. E quando as coisas realmente ficaram mais difícies, a única coisa que a gente sabia era que meu pai nunca mais seria o mesmo, embora a gente tentasse se convencer do contrário. De certa forma, as coisas nunca mais seriam as mesma. E ali tava a beleza estranha de toda essa situação. Aquela incerteza do que poderia acontecer e aquela antiga esperança voltava a assombrar a minha casa. Ninguém sabia o que fazer ou esperar. Nem os médicos, nem os amigos, minha família, nem mesmo meu pai. A única coisa que era certa é que ele continuava com aquele olhar esperançoso de quando a gente era criança. E de certa forma, ele sabia que tudo iria melhor.

Pra ouvir: Bon Iver - Holocene