sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

So this is the New Year and I don't feel any different

O pequeno relógio em cima da mesinha marcava um pouco mais que onze horas. Mais alguns poucos minutos e toda essa idiotice de começo de ano chegaria ao fim. Não seria mais necessário cumprimentar ninguém com sorrisos falsos, nem agüentar o excesso de alegria alheia.
Ele nunca entendera o mecanismo das festas de fim de ano. Acreditava em pura conspiração. Todos queriam que ele acreditasse que natal era uma data pra se passar com a família, e o ano novo, o suposto dia mais feliz do ano, pra se comemorar com os amigos, de preferência em uma praia repleta de indivíduos com vestes brancas, suadas, fedendo espumante barata e flores secas. Tudo era apenas um grande evento social obrigatório que ele tentava burlar.
Desde o começo de sua vida adulta, tais festas eram apenas feriados quaisquer. Dias pra dormir tarde e acordar mais tarde ainda. A única diferença é que se desligava totalmente do mundo. Nada de telefone, internet e televisão. Apenas ele, uma garrafa de vinho barato e uma seleção de filmes clássicos. Algumas vezes até se permitia espiar pela janela de seu apartamento o que se passava lá em baixo. Mas era apenas para resmungar dos muitos bêbados abobados com o céu colorido devido as explosões fornecidas pela prefeitura.
A última vez que tentou celebrar o ano novo, mesmo que tenha sido apenas por convenção social, foi na casa de seus pais com o resto de sua família que já começava a se definhar. Nada tinha a mesma graça da infância. Já não havia mais a alegria de seu pai cantando pelos cantos da casa, as tias velhas dançando, o pernil de sua mãe e a gritaria de seus amigos. Tudo acabara. As crianças haviam crescido, as tias velhas morreram, os amigos sumiram e o cheiro de pernil e a cantoria cessaram.
Festas de fim de ano não foram idealizadas por e para meninos solitários. Acreditava não haver mais razões para comemorar a merda de um ano que acaba e celebrar a porcaria de outro que inicia-se. Afinal, todos os anos são iguais, apenas diferem na quantidade de amigos e namoradas que você ganha e perde, geralmente na mesma proporção.
Em algum momento aquilo era engraçado e deprimente. Mais deprimente que engraçado. Por alguns minutos, enquanto olhava as pessoas embriagadas passando pelas ruas, refletiu sobre boa parte de sua vida atual. De como deixara de ser o cara que acreditava ser independente para o adulto solitário e ranzinza. De como abandonara e havia sido abandonado por todos.
Assim que os fogos começaram a explodir no céu, ele retornou ao quarto e foi em direção a coleção de CDs. Colocou Transatlanticism do Death Cab pra tocar. Caminhou lentamente, saboreando cada trago de seu cigarro. Sentou na cama e respirou fundo enquanto abria a velha gaveta. Com as mãos tremulas e uma tentativa de sorriso, pegou a arma e deu um tiro na cabeça, esparramando boa parte dos seus miolos sobre um calendário de 2010.
Finalmente um começo de ano diferente.

“So this is the new year.
And I don't feel any different.
The clanking of crystal
explosions off in the distance (in the distance)”.

The New Year – Death cab for the cutie