quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Capítulo final

Conheci a Fernanda há uns dois anos em uma situação mais forjada do que casual. Ela era uma das meninas mais populares entre meu grupo de amigos devido ao certo efeito que causava entre os meninos e eu era um dos poucos que não havia sido apresentado a esse efeito. Pra mim ela era apenas uma garota normal. Altura mediana, corpo bacana envolvido em algumas peças de roupas “diferentes”. Nada que chamasse atenção dos meus hormônios ou dos meus olhos distraídos.
Não me lembro exatamente como a Fernanda entrou na minha vida. Tudo aconteceu tão depressa. Apenas me lembro que recebi um e-mail em que ela dizia estar interessada em mim e de repente lá estava eu arrebatado pelo seu efeito. De lá pra cá foram dois longos anos em que transitei do menino desinteressado ao cara de coração quebrado e humilhado.
Saímos algumas poucas vezes durante esse tempo. Nada sério. Era algo que acontecia. Ela precisava de um ombro e eu tava lá. E eu não fazia questão de ser usado. Era uma parte do nosso contrato. E quanto a isso, ela sempre me fez questão de lembrar que na primeira vez em que ficamos eu disse que não procurava nada sério.
Durante um tempo, eu perdi o roteiro da história. Não sabia mais o que eu tava fazendo, o que fazer e como dizer que agora eu queria algo sério. Eu tava apaixonado. No entanto, sabia que ela não iria esquecer a história do “nada sério”. Talvez por isso, ela fez questão de me machucar toda vez em que disse o quanto gostava dela. Tanto fez até o dia em que me despachou de vez.
O que me chama mais atenção é que quando eu penso na Fernanda, eu não me lembro da nossa primeira conversa ou a primeira vez que nos beijamos. Eu só consigo lembrar da última vez em que a vi. Talvez porque por muitas vezes imaginei como seria esse momento. Se teria lagrimas, gritos, sangue ou um impossível final feliz.
Mas tudo o que acabei tendo foi a certeza de que ela já não era a menina que alegrava as minhas noites. Agora ela era apenas o medo da solidão e de suas novas responsabilidade.
A menina que não queria que eu a visse como uma mau caráter já não me olhava nos olhos e nem me sorria. Tentava de todas as formas mostrar que eu era indiferente. Mas talvez por consideração, se despediu a sua maneira.
-Boa sorte com a sua nova vida – disse ela, me evitando com o olhar.
-O mesmo pra você – respondi.
Naquele momento já na havia mais paixonite e risadinhas bobas, apenas saudade de tudo o que a gente nunca foi.

Pra ouvir: All I Want – LCD Soundsystem

domingo, 31 de outubro de 2010

Catarse

Rodrigo abriu o livro na página que havia marcado com um clipes. Era a quinta vez que tentava ler a mesma página. No entanto, tudo parecia tão confuso que aquele emaranhado de frases naquela folha não faziam sentido algum. Eram dias esquisitos, dias preguiçosos. Certamente, não eram dias propícios para leitura.
Passou a mão em sua mochila à procura de um maço de cigarros, mas não o encontrou. Lembrou que havia esquecido de comprar. Na realidade, não havia comprado. Aqueles dias apáticos também eram dias de pindura, de calças curtas ou de qualquer outra expressão popular que representasse a sua situação financeira.
Toda aquela situação caótica deixava Rodrigo um tanto quanto melancólico. Talvez pelo excesso de músicas tristes ou pelas malditas aulas de terça-feira ou até mesmo porque a menina do sorriso torto havia desaparecido. Rodrigo não tinha certeza do que andava lhe causando dias nublados e olheiras matutinas. Ele já não tinha certeza de nada.
Rodrigo acreditava que se não tivesse deixado a faculdade de história nada daquilo estaria acontecendo. Não teria conhecido Sabrinas e nem Fernandas, não estaria dormindo e comendo mal e muito menos se enfiando em relacionamentos fadados ao nada.
A vida de Rodrigo havia se tornado um hiato. Um grande hiato criativo. Apenas alguns fragmentos e frases desconexas e tão confusas que ele procurava não ler. Certamente, a vida havia sido mais interessante e criativa em outros carnavais.
Na tentativa de fugir daquela mediocridade, Rodrigo guardou a sua vida no bolso, colocou a blusa de frio e seguiu pra sala de aula. O verão, definitivamente, ficaria pra mais tarde.

Pra ouvir: Manic Street Preachers – This is yesterday

quarta-feira, 25 de agosto de 2010



"Well, now that you have my heart, I’m pretty much an empty cavity inside, for a lack of a better term: heartless."

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Appointments on a dance floor

A menina do último sábado sorria alucinadamente entre inúmeros copos de vodka e latas de energético. Exibia os quadris assimétricos e libertinos em cada ida ao bar e nos passos de alguma música batida. O cheiro do escapismo a direcionava a caminho da bebida e do aglomerado de pessoas que se enfileiravam em frente às garrafas de tequila. O olhar desorientado e confuso caçava lentamente a sua presa noturna. As suas pupilas dilatadas começaram a me encarar e me sorrir lisergicamente. A dicróica ressaltava o seu andar confuso em direção ao meu excesso de sobriedade. Os olhos pareciam mais conscientes que a boca que insistia em falar coisas sem pensar. Seus movimentos ficavam ainda mais espasmódicos e deliberados a cada palavra boba e infantil. A cada passo se embrenhava mais no pouco que restava de mim. Naqueles minutos eu já não era "mais meu". Apenas consentia e me deixava levar aos seus ímpetos etílicos. Ímpetos repletos de entrelinhas e de puro formalismo. Passava o tempo se entopindo de inumeras "doses de mim" com toda sua voracidade e leviandade. Levantou ao som do seu nome e da mentira de sua aparência escondida atrás de mais um copo de falso esquecimento. Depois se desfez como fumaça de cigarro.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sangue

É aí, que a nossa semelhança acaba.

Constantes

Constante na matemática é um valor numérico que não se modifica independente de suas variáveis. Constante no cotidiano ordinário é aquela que causa dor, noites mal dormidas, dependência física e emocional. Constante é a grandeza que desloca a vida, modifica tudo que era certo e real. Constante é aquela que deixa destruição e sangue para trás. É a aquela que mantém a sua idéia fixa num relacionamento instável e inviável. É aquela que você procura em todas as outras meninas que passam por sua cama. É a responsável por todas as lágrimas, palavras desperdiçadas e pelos seus pedaços esparramados pelo chão. Mas ainda é a aquela que te faz sorrir com apenas um olhar perdido.
daqui: olhos certos

sábado, 13 de março de 2010

Interlúdio

Três e meia da manhã e você continua a vomitar centenas de palavras que entram pelos meus ouvidos sem pedir licença. A minha vida para em função de suas dissílabas, monossílabas e polissílabas embriagadas. Eu tento procurar um espaço entre as suas pequenas pausas pra dizer as milhares de coisas que passam pela minha cabeça mas você nunca deixa, me interrompe novamente com o sorriso mais bonachão do mundo:
- Quer dançar?

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Variável

Ela devia ter uns 26 anos, olhos pequenos, nariz com certo charme rústico, um andar um tanto quanto irregular e engraçado, pernas finas e sempre costumava falar no imperativo. Vestia quase sempre aquela mesma blusa verde com listras pretas ou aquela vinho do nosso primeiro encontro. Havia algo estranho na menina da blusa listrada, e eu me perguntava o tempo todo o que era, enquanto salivava por ela.
Talvez fosse a maneira como ela pegava em minha mão enquanto mudava as marchas do carro, ou os assuntos que ficavam criativos e mais interessantes quando saiam da boca dela ou até mesmo as músicas ruins que tornavam-se boas perto dela. Não sabia bem o que era mas ainda assim eu acreditava que havia algo errado com ela, afinal, o que uma menina tão interessante fazia com um cara estranho como eu.
Durante as poucas semanas em que ficamos juntos, pouco falamos um ao outro. Nosso relacionamento ficou em inúmeras situações restrito ao sexo. Sexo no estacionamento, no chão, no banheiro do bar, no parque e uma tentativa embaraçosa no cinema. Algumas das melhores trepadas da minha vida, seguidas de longos cochilos.
A intenção talvez fosse continuar a ser desconhecidos que eram próximos de alguma maneira. De certa forma, a gente era uma canção do Wilco. Intensa, experimental, repleta de altos e baixos e extremamente curta.
Rompemos aquilo que de alguma forma chamávamos de relacionamento numa sexta-feira, sem necessariamente romper. Terminamos exatamente como começamos. Um pra cá, outro pra lá e a sensação de que ainda havia algo errado.

Pra ouvir: Rilo Kiley – Does He Loves you?

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

So this is the New Year and I don't feel any different

O pequeno relógio em cima da mesinha marcava um pouco mais que onze horas. Mais alguns poucos minutos e toda essa idiotice de começo de ano chegaria ao fim. Não seria mais necessário cumprimentar ninguém com sorrisos falsos, nem agüentar o excesso de alegria alheia.
Ele nunca entendera o mecanismo das festas de fim de ano. Acreditava em pura conspiração. Todos queriam que ele acreditasse que natal era uma data pra se passar com a família, e o ano novo, o suposto dia mais feliz do ano, pra se comemorar com os amigos, de preferência em uma praia repleta de indivíduos com vestes brancas, suadas, fedendo espumante barata e flores secas. Tudo era apenas um grande evento social obrigatório que ele tentava burlar.
Desde o começo de sua vida adulta, tais festas eram apenas feriados quaisquer. Dias pra dormir tarde e acordar mais tarde ainda. A única diferença é que se desligava totalmente do mundo. Nada de telefone, internet e televisão. Apenas ele, uma garrafa de vinho barato e uma seleção de filmes clássicos. Algumas vezes até se permitia espiar pela janela de seu apartamento o que se passava lá em baixo. Mas era apenas para resmungar dos muitos bêbados abobados com o céu colorido devido as explosões fornecidas pela prefeitura.
A última vez que tentou celebrar o ano novo, mesmo que tenha sido apenas por convenção social, foi na casa de seus pais com o resto de sua família que já começava a se definhar. Nada tinha a mesma graça da infância. Já não havia mais a alegria de seu pai cantando pelos cantos da casa, as tias velhas dançando, o pernil de sua mãe e a gritaria de seus amigos. Tudo acabara. As crianças haviam crescido, as tias velhas morreram, os amigos sumiram e o cheiro de pernil e a cantoria cessaram.
Festas de fim de ano não foram idealizadas por e para meninos solitários. Acreditava não haver mais razões para comemorar a merda de um ano que acaba e celebrar a porcaria de outro que inicia-se. Afinal, todos os anos são iguais, apenas diferem na quantidade de amigos e namoradas que você ganha e perde, geralmente na mesma proporção.
Em algum momento aquilo era engraçado e deprimente. Mais deprimente que engraçado. Por alguns minutos, enquanto olhava as pessoas embriagadas passando pelas ruas, refletiu sobre boa parte de sua vida atual. De como deixara de ser o cara que acreditava ser independente para o adulto solitário e ranzinza. De como abandonara e havia sido abandonado por todos.
Assim que os fogos começaram a explodir no céu, ele retornou ao quarto e foi em direção a coleção de CDs. Colocou Transatlanticism do Death Cab pra tocar. Caminhou lentamente, saboreando cada trago de seu cigarro. Sentou na cama e respirou fundo enquanto abria a velha gaveta. Com as mãos tremulas e uma tentativa de sorriso, pegou a arma e deu um tiro na cabeça, esparramando boa parte dos seus miolos sobre um calendário de 2010.
Finalmente um começo de ano diferente.

“So this is the new year.
And I don't feel any different.
The clanking of crystal
explosions off in the distance (in the distance)”.

The New Year – Death cab for the cutie